Séries fotográficas. O que são e por que criar uma?

Série fotográfica é um conjunto de imagens produzidas sobre uma linha editorial ou um tema estreito, bem definido. A sua função primária é desenvolver ou apresentar um conceito em forma de imagens, mas esse trabalho pode ir bem além disso!

Muitas vezes uma série fotográfica é confundida com uma exposição. A exposição é a mostra, a exibição. A série é o conteúdo em si.

Outras vezes confunde-se a série com um ensaio. Como o próprio nome já diz, um ensaio é uma incursão rápida, um teste, um experimento. O ensaio tem como objetivo, prototipar uma idéia em uma determinado formato de mídia.

A série é um conjunto curado, uma obra pronta, ou que pretende-se pronta em algum momento.

Por que um fotógrafo deve produzir séries?

O trabalho da produção de uma série pode ser tão variável quanto extenso. Pode variar em metodologia, mas pode variar também na sua duração. Algumas série tomam forma em poucas semanas, outras levam a vida toda.

Mas seja quais forem as variações desses parâmetros, existem ótimos motivos para se empenhar em séries fotográficas, mesmo se você for um fotógrafo comercial.

Estabelecer uma série para si é um projeto auto-imposto que vai exigir disciplina, senso de progresso, estratégia, ou seja, vai lhe dar uma direção para um trabalho. Se nesta série houver uma intenção de desenvolvimento técnico específico em alguma área, melhor ainda!

Uma série fotográfica exige um plano

Para que uma série tenha um corpo coerente, é preciso partir de um plano, mesmo que um plano simples, uma estratégia básica. No meu caso eu sempre parto de uma palavra, um conceito. Em segundo momento eu aprofundo o tema de diversas formas. Em seguida capturo ou seleciono as imagens. E, por fim, organizo e amarro com o texto, antes de publicar. Mais à frente explico em detalhes esse processo.

Mas essa não é a única forma. É possível trabalhar com um briefing, como numa campanha de marketing ou na produção de um produto.

Alguns fotógrafos brilhantes usam da expontaneidade, quase acidental, para alinhavar imagens que formam uma série. Em determinado ponto de “acúmulo” de imagens, simplesmente notam que existe uma linha condutora que emerge do seu acervo.

Não creio que haja um único ou melhor caminho para isso, mas é preciso que o autor esteja tranquilo, confortável com o processo e se perceba no controle dele.

Uma série fotográfica é um estudo focado

Para fazer sentido é preciso desenvolver. Desenvolver é ir além do básico, além do início, além da superfície. Na verdade, desenvolver é desenrolar, iluminar o assunto desejado. Isso é, pra mim, o aspecto mais motivador desse tipo de trabalho.

Existe um crescimento pessoal na criação de uma série. Na busca da coesão, é preciso mapear o tema/conceito para, no fim, apresentá-lo de forma tocante, impactante e útil.

Uma série fotográfica é um treinamento

Independentemente da pretenção de publicação, trabalhar em uma série pode ser uma excelente maneira de atacar uma lacuna de treinamento que pode ser preenchida.

É possível criar séries sobre temas técnicos da fotografia, por exemplo, domínio da luz, da composição… ou de um gênero como por exemplo o retrato.

Uma série fotográfica satisfaz um gosto pessoal

Todo mundo tem aqueles temas clichês que adora. Pra uns são flores (eu!), pra outros é o pôr-do-sol, ou gatinhos, ou portas antigas (eu!)…O que eu sei é que todos os temos.

Eu encaro como imagens “colecionáveis”. É como se eu estive completando um álbum de figurinhas imaginário. Aliás, deve ter a ver com a infância da gente, sei lá.

Você pode usar esse gosto por temas simples e pessoais para desenvolvê-los (essa palavrinha mágica de novo!). Qualquer tema, por mais batido e banal que seja pode ser alvo de uma série e terminar em um projeto consistente.

Aliás, tenho pra mim que temas muito corriqueiros são frequentemente desprezados como temas “sérios”. É só uma questão de atacá-los de uma maneira mais exploratória, sem perder a diversão!

Uma série fotográfica pode ser simples de criar

Muitas vezes, o que afasta as pessoas da ideia de criar uma série fotográfica é a suspeita de que seja um trabalho sempre complexo, demorado e difícil. Não o é, necessariamente.

Você pode começar por parâmetros simples e acessíveis. Por exemplo, uma série de 30 fotos, 1 por dia, sobre a sua rua. O objetivo será descrever 1 mês do movimento que acontece em frente à sua casa. Garanto que será difícil escolher apenas 1 foto por dia.

Veja, esse tema é acessível, é rotineiro, com prazo determinado para acabar e não exige nenhum equipamento além de um celular. A idéia é narrativa/descritiva. O desenvolvimento mais provável será que você vai observar coisas que não havia notado e vai começar a explorar maneiras mais criativas de registrá-las.

Talvez você já tenha uma série fotográfica iniciada e não notou

Se você fotografa com frequência, talvez já possua uma ou mais séries fotográficas já capturadas. Se olhar com atenção para o seu acervo, vai notar temas, ou tipos de abordagens que você frequentemente faz.

O olhar atento ao seu conjunto já produzido vai lhe mostrar mais sobre você do que você pode imaginar. Nosso acervo fotográfico profissional ou pessoal é altamente auto-biográfico.

Enfim, a questão neste caso é costurar, achar uma linha condutora, curar, depurar dentro daquilo que você já tem, aquilo que forma uma série.

Pode ser o início do seu “Projeto FineArt”

Fotografias bem feitas, com bom gosto, sobre temas simples e cotidianos são uma ótima opção para impressões de alta qualidade para decoração de ambientes.

Comece com a sua casa, seu escritório, presenteie… use sua produção, no seu tempo, com os temas que você mais gosta. Se você gosta, a chance de várias outras pessoas gostarem é grande.

Capriche na divulgação!

Como criar uma série fotográfica?

Vou descrever aqui o meu processo de criação mais frequente. Existem muitas outras maneiras de se fazer isso. O meu jeito de realizar não é necessariamente o melhor, nem mesmo o mais usual. Mas pra mim funciona muito bem e talvez você queira se inspirar.

Passo 1: lista de temas

Tenho já colecionado por alguns anos uma lista de quase uma centenas de palavras que me atraem muito. De vez em quando, lendo um livro, conversando com alguém…adiciono muito criteriosamente uma nova palavra nesta lista. De vez em quando retiro uma ou outra palavra. Eu me propus a não deixar essa lista crescer muito. Quero na verdade, com o passar dos anos, chegar a 50 temas muito bem selecionados.

Passo 2: o tema

Escolho uma palavra/tema dessa lista para trabalhar. E ela passa a ser um projeto em andamento. As séries para mim, não estão acabadas nunca. Me permito sempre revisá-las. Amo mais o processo que o produto. Mas também não quero ficar sem publicar. Então, na verdade, existe um ponto para mim em que a série passa a estar “publicável”. Uma dos parâmetros para isso é que ela tenha pelo menos 12 imagens.

Passo 3: lápis e papel

Separo um caderninho A6 simples para anotações. Parece bobo mas isso me ajuda demais. Eu penso melhor com lápis na mão.

Passo 4: colecionar

Nesta etapa passo a colecionar (não acumular!) textos, letras de músicas, poemas, conversas, gravações em áudio minhas sobre insights, anotações no caderninho da série, links de vídeos na internet… tudo o que parece minimamente bem conectado com o tema.

Passo 5: texto declaratório

Escrevo um texto de “declaração de intenção” da série. Nele, eu exponho para mim mesmo a tarefa a ser alcançada. Esse é o momento de ser meu cliente. Eu traço parâmetros que me parecer úteis e bons guias para o trabalho. Por exemplo: na série botânica eu quis enquadramentos simples, formato quadrado, fotos em PB e foco na forma.

Passo 6: mapa mental

Crio um pequeno mapa mental que tem a palavra/tema no centro e ramificações de outras palavras/temas que podem ser sub-séries. Por exemplo, na série Cidade, temos personagens, ruas, rastros, fragmentos… Essas subséries não são publicadas enquanto não ganham um corpo mínimo. Estão em andamento.

Para séries mais densas, pessoais e profundas e não tão amplas, como a Silêncio as ramificações neste mapa mental são interpretações do tema central. Por exemplo, Silêncio está ligado a solidão, solitude, reflexão, intervalo, saudade, calma e dor. É a minha visão pessoal sobre os diversos aspectos que “silêncio” tem.

Passo 7: captura

Começar a captura ou a seleção já existente dentro do acervo. Essa primeira fase de aglutinação visa a quantidade. Acredito que em meio a quantidade, posso encontrar com mais frequência a qualidade. É comum acumular umas 300 ou 400 imagens nesse momento. A série Linear chegou a ter 830 imagens nessa fase.

Passo 8: redução

Em uma primeira seleção, reduzo para 100 imagens ou menos. No meu caso, isso é feito em 1 único dia.

Passo 9: classificação

Volto ao texto declaratório inicial da série, reviso todo o material coletado e classifico as imagens com 1, 2, 3, 4 ou 5 estrelas. Apenas as imagens 5 estrelas vão compor a série que no futuro será publicada.

Passo 10: pausa mental

Dou um tempo, de no mínimo 1 mês, sem ver o material, sem me esforçar nele. Geralmente aparecem espontaneamente ideias sobre o tema durante esse tempo de descanso do tema. Anoto no caderno da série.

Passo 11: revisão

Última revisão antes do tratamento. Faço alguma reclassificação, reviso a ordem das imagens.

Passo 12: tratamento

Tratamento dos arquivos é muito importante. Os parâmetros técnicos da imagem como contraste, cor, corte, efeitos… precisam estar coerentes com o projeto específico. Não tento uniformizar as séries entre si. Cada uma é um projeto autônomo. Mas para cada série estabeleço meus próprios critérios de tratamento.

Passo 13: exportação

Exporto os arquivos em alta resolução (TIFF/AdobeRGB) para possíveis impressões, e baixa resolução (JPG/sRGB) para publicação no site e redes sociais. Faço um backup. Nasceu a série!

Passo 14: publicação

Publico as imagens no meu site, programo as publicações para redes sociais e crio um pequeno texto da série descrevendo-a.

Concluindo, eu não fico seguindo essa listinha de passos rigorosamente. Ela simplesmente acontece assim. O que eu estou contando aqui já aconteceu em todas as séries que estão publicadas no meu site e está acontecendo em 5 que estão em andamento neste momento.

Enfim, séries são um processo. Um entre muitos existentes, possíveis e recomendáveis. São, antes de mais nada, um meio de auto-educação artística, auto-reflexão e produção com método.

Pode parecer meio limitante sistematizar o processo, mas para mim e para muita gente que conheço, incrementa e ordena a produção.

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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