Fotografia e longevidade

Hoje é dia 03/11/2018, tenho 42 anos de idade, quase 43. E já faz uns anos que eu estou pensando com meus botões sobre a minha velhice (se Deus não me levar pra casa antes, claro) e a minha relação com a fotografia. Me pergunto: Dá pra envelhecer fotografando? Dá pra manter-se criativo na fotografia por mais 30, 40 anos? Dá pra ser produtivo na fotografia com 70, 80, 90 anos? Dá, mas depende.

As pessoas no Brasil estão vivendo mais e sendo mais produtivas por mais tempo. Isso, na média do país, claro. Mas ficar mais velho, durar mais, não é sinônimo de qualidade de vida necessariamente. É preciso preparar-se fisicamente, mentalmente, financeiramente… para isso. Para poder desfrutar de uma boa velhice é preciso esforço agora.

A fotografia em si, o ato de fotografar, não carrega grande dificuldade física. Algumas áreas comerciais da fotografia como cobertura de eventos sociais e esportivos, há mais desgaste físico, mas ainda assim há fotógrafos de cabelos bem branquinhos nestas áreas. Quem já fotografou uma festinha infantil por exemplo, sabe quantas vezes é preciso se agachar. Num casamento passamos de 9 a 12 horas de pé, com equipamento na mão e sempre atentos. Os pés, os joelhos e a coluna sofrem, mas isso não é um impeditivo se o fotógrafo mantém um mínimo de atividade física.

Alongar-se, caminhar bastante, nadar… são atividades prazeirosas e que ajudam muito. Pilates é ótimo! Apesar de o corpo impor seus limites com o passar do tempo, a mente pode estar justamente indo no sentido contrário. O jovem desfruta da energia física, do tempo a seu favor, da agilidade. Mas a juventude certamente impõe limites no pensamento, que os talentosos jovens não se ofendam, mas o decorrer da vida bem vivida nos trás avanço, expansão, possibilidades, conteúdo, repertório. E tudo isso ajuda em muito na criação de imagens. A maneira como fotografamos, como interpretamos, como abordamos nossos temas é fruto direto das nossas experiências.

A fotografia é, em quase todas as suas vertentes, uma antropologia aplicada por assim dizer. Fotografar (bem) é pensar no que é este confuso ser humano e seus rastros. É entender e antecipar. É entrar cada dia mais na realidade dura, crua, feia, bela, múltipla, complexa e intensa da humanidade.

Um bom fotógrafo, de qualquer idade, é um eterno observador, um analista. E a observação e a análise tendem a refinar-se com o passar do tempo. A paciência e a consciência do tempo, das épocas e das oportunidades ficam afiadas. A experiência de vida é inegavelmente um alimento para a consciência e depuração de conceitos.

Pessoas que envelhecem bem, que mantém-se em atividade de pensamento, enxergam além, enxergam antes, enxergam com mais profundidade, apensar da ironia ocular imposta pelo corpo velho. Além disso bons fotógrafos velhos são excelentes observadores de bons fotógrafos jovens!

Na minha experiência como professor já tive a alegria de ter alunos e alunas com mais de 60 e 70 anos, que nunca tinham pego uma câmera fotográfica, e se saíram muito bem.

Minha mãe (não é fotógrafa), mas iniciou seus estudos na música bem tardiamente e hoje com netos e netas, toca muito bem (muito bem mesmo) flauta transversal, violão e bandolim. Ela não acho que era tarde para começar!

Mas, sempre há um mas! Existem os que envelhecem mal. Pensam mal, vivem mal, entendem mal. Existem os que “desamadurecem” com o tempo, emburrecem, tornam-se piores com o passar dos anos, param de vibrar, criam raízes em terreno pobre (ou mal-cheiroso). Mas pessoalmente eu creio que a dedicação obstinada, sincera e honesta ao ofício da fotografia (e da artes) tende a trazer mais lucidez do que escuridão. Talvez eu seja um romântico neste ponto, mas vou defender essa minha otimista posição.

Apesar de entender que a arte não forma necessariamente o caráter de ninguém, apenas fornece ferramentas de expressão bem poderosas. Se o caráter for ruim… se for bom… Um fotógrafo acima dos 60, 70 ou 80 anos, a meu ver, deve sempre estar atento aos movimentos dos mais jovens, às novas tecnologias, deve gostar de aprender, de reaprender e manter viva a curiosidade, o bom humor e a imaginação.

Pessoas mais velhas são ótimas em contar histórias, por que não seriam em contar histórias visuais?! Ao mesmo tempo que lançam mão da sua experiência de vida, podem conectar-se a novas experiências visuais. A possibilidade de criação na maturidade só depende de manter-se criando, manter-se atento, estudando, conectando pontos novos e antigos coletados por toda a vida. Mais vida, mais pontos. Mas depende de cada um fazer as conexões.

É preciso preparar-se e é preciso gostar de aprender. Eu tenho um palpite que esse gosto rejuvenesce, estende a vida e a intensifica, nas artes, na fotografia ou em qualquer outra área. Para inspirar você, deixo aqui os nomes de alguns desses fotógrafos “jovens a bastante tempo”: Sebastião Salgado, German Lorca, Orlando Azevedo (quase 70), Walter Firmo, Flávio Damm, Boris Kossoy

CHARBEL CHAVES
CHARBEL CHAVES

Fotógrafo e Professor de Fotografia desde 2010. Desenvolve trabalhos autorais, comerciais e educacionais simultaneamente. Autor do livro "Jornada: As histórias que as fotografias contam"

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